A legislação que rege a aposentadoria especial do aeronauta – Dec. – Lei 158/1967, é lei de caráter especial, que prevalece sobre a lei geral – Lei 8.213/1991, e suas posteriores alterações.

É importante observar que o Dec.-Lei 158/1967 é anterior à Lei 8.213/1991, e que, com ou sem a previsão do art. 148 da Lei 8.213/1991, continua a ter vigência, até que venha a receber novo tratamento pela lei complementar prevista no §1º do art. 201 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 20/1998.

A conclusão é que a aposentadoria do aeronauta, cuja extinção constou da Medida Provisória 1.523/1996 até a Medida Provisória 1.596-14, mas não de sua conversão na Lei 9.528/1997, continua a ser devida nos termos do Dec.-Lei 158/1967, que é a legislação especial, aplicável a esse trabalhador.

Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro (apud Daniela Alvim Ribeiro, 2016, p. 495 em sua “Monografia sobre a Aposentadoria Especial dos Aeronautas”, assim se manifestou):

A concessão do benefício da aposentadoria especial aos aeronautas não conflita com o disposto no art. 57 da Lei 8.312/91, antes o ratifica, pois as condições de trabalho dos aeronautas são especiais, expondo-os a fatores de risco e esforços para se adaptarem a essas condições, além de efetiva e reconhecida exposição aos agentes nocivos, como ruído, temperatura, vibração, qualidade do ar, dentre outros, com real prejuízo à sua saúde e integridade física.

O jurista Mozart Victor Russomano, mesmo anteriormente à promulgação da Emenda Constitucional 20/1998 registra que:

Se a tecnologia das aeronaves vai tornando, realmente, monótonas as operações de voo, pela crescente automação dos aparelhos de comando, não conseguiu, ainda, impedir – por mais experiente que seja o aeronauta – que a viagem aérea represente um motivo de tensão psicológica e que as constantes mudanças de pressão atmosférica, graus de latitude ou longitude, climas e ambientes – tudo isso somado ao desconforto das cabines de comando – transformem a profissão em uma atividade exaustiva e, por isso mesmo, merecedora de especiais cuidado do Poder Público, para segurança individual do trabalhador e para segurança do voo.

 

A legislação brasileira define como aeronauta o profissional que exerce atividade a bordo de aeronave civil nacional, mediante contrato de trabalho e também quem exerce atividade a bordo de aeronave estrangeira, em virtude de contrato de trabalho regido pelas leis brasileiras.

Distinguem-se as funções de comandante, copiloto, engenheiro de voo e comissário de bordo.

O Comandante, além de ser o responsável legal, desempenha tarefas técnicas e funções gerenciais. O Copiloto é um assistente nos procedimentos técnicos de voo e o engenheiro de voo é o responsável pela operação dos sistemas da aeronave. Os comissários atuam diretamente com os passageiros e são encarregados do cumprimento das normas relativas à segurança de voo, ao atendimento dos passageiros a bordo e à guarda de bagagens, documentos, valores e malas postais que lhe tenham sido confiadas pelo comandante.

O exercício de suas atividades os submetem a tantos fatores de desgaste físico e mental, que se justifica a compensação desse desgaste pela concessão da aposentadoria especial, que, em parte, possa lhes proporcionar um ganho pelo trabalho prestado em condições tão prejudiciais.

Quando o empregado trabalha em atividade onde existe algum agente prejudicial à saúde, a própria legislação trabalhista exige que o empregador lhe forneça tecnologia de proteção individual e coletiva que elimine ou neutralize ou reduza a ação dos agentes insalubres a níveis aceitos dentro dos limites de tolerância, embora desempenhe além das tarefas técnicas, a realidade demonstre que a total eliminação ou neutralização da insalubridade pode não ocorrer com a adoção dessas medidas pelo empregador.

Murillo de Oliveira Vilella aponta que:

Com a finalidade de evitar aumento da dosagem de radiação recebida os aeronautas contam com vários tipos de proteção que vão desde pintura de aeronaves, filtros colocados nos vidros das janelas das aeronaves e escolhas de rotas.

Durante o voo os aeronautas estão expostos a situações de riscos específicos, além de se submeterem igualmente às consequências de eventos especiais de origem física (ruído, pressão, temperatura, vibração, qualidade do ar e alimentação).

É pacífico o entendimento na jurisprudência de que o uso do EPI não descaracteriza a nocividade causada ao ser humano, não sendo motivo para se afastar a conversão do tempo de trabalho para o trabalho especial, quando não houver prova de sua real efetividade.

Especialistas apontam que a baixa umidade do ar dentro da cabine tem como efeitos o cálculo renal, ressecamento de pele, inflamação da conjuntiva e sangramento nasal; que a radiação solar em grandes altitudes tem como efeito a catarata e que a radiação eletromagnética tem como efeito o câncer.

Tratando do tema da segurança e riscos na aviação, Alice Itani escreve que:

Os transportes aéreos são um setor operado com sistemas de alto risco. A modernização acelerada da aviação civil, com o aumento da velocidade e da quantidade de passageiros por voo, aliada às atuais tecnologias de automação, potencializou esses riscos. Se a quantidade de acidentes pode estar se reduzindo, passando de 54 para 9 acidentes em cada mil aviões nos últimos 15 anos, o índice de fatalidade vem sendo cada vez maior”. “A taxa, nesses últimos 15 anos, passou de 0,30 para 2,02.

Selma Leal de Oliveira Ribeiro, M.Sc. et al.  em seu estudo analisaram os fatores e situações provocadores de estresse mental dentro da atividade aérea, particularmente na função de Comandante, a partir da minuciosa análise de relatos e de observações de voo, o que tornou possível detectar as exigências no cotidiano funcional que mais influenciavam esse estresse.

Esclarecem que esse estudo foi “realizado e financiado pela Organização de Aviação Civil Internacional, dentro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com participação do Ministério da Aeronáutica, através do Departamento de Aviação Civil e do Núcleo do Instituto de Ciências da Atividade Física”.

Selma Leal de Oliveira Ribeiro, M.Sc. et al. citam Fischer (1986) que coloca que:

Fadiga de voo é decorrente de várias causas, entre elas dificuldades de recuperação rápida do organismo do trabalhador devido ao processo de desincronização em função da constante privação ou alteração do sono causada pelo trabalho em turnos, muito comum à profissão de aeronauta.

      Também é constante a alternância de pressurização/despressurização, vibrações com intensidade variada, variações bruscas de temperatura, levando o organismo a sofrer com essa modificação e, portanto, apresentar sintomas fisiológicos.

Selma Leal de Oliveira Ribeiro, M.Sc. et al. referem que estudos desenvolvidos pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT), concluem que “o trabalho em turnos é uma das principais causas da fadiga, isto devido à irregularidade dos horários de trabalho”.

Ainda destacam que:

A atividade aérea possui características  peculiares que acabam por provocar no indivíduo um desgaste físico e psicológico a longo prazo. Constantemente o organismo do aeronauta é bombardeado por uma quantidade de estímulos externos, tais como variações de altitude, pressão, vibração, umidade, alimentação, temperatura, hábitos culturais, padrões de relacionamento, condições meteorológicas, que exigem rápidas adaptações em um período de tempo muito pequeno. Essas adaptações, apesar de necessárias, acabam por provocar uma sobrecarga que muitas das vezes aparece associada aos sintomas de fadiga.

Referindo que, de acordo com os estudos do Diesat:

Temperaturas muito altas ou muito baixas aumentam o número de acidentes de trabalho e doenças”. O calor leva a queixas crônicas como náuseas, dores de cabeça, doenças de pele, palpitações e envelhecimento da pele. O trabalho em ambientes muito frios, além de ser desconfortável, exige uma maior atividade cardiovascular e muscular e, muitas vezes, também leva à predisposição de doenças do aparelho respiratório.

E que “a ocorrência dos efeitos tardios e nocivos desses agentes sobre a saúde impede ou dificulta que os trabalhadores estabeleçam uma situação de causa e efeito entre o trabalho e as deficiências orgânicas que acabam por vitimá-los”.

Esforço excessivo, posturas incorretas e traumatismos diretos, foram apontados como causas de lesões articulares, ósseas, musculares, visuais, dores e deformidades da coluna irreversíveis, dando margem a acidentes, quando não são detectados com rapidez ou, num processo crônico, levar ao afastamento desse trabalhador, que passará a enfrentar problemas de ordem psíquica e social.

Nesse estudo, também foi destacado que:

A organização de trabalho do aeronauta também pode facilitar o aparecimento de distúrbios de origem física”, e que “aspectos com múltiplos pousos e decolagens, ultrapassagem de fusos, horários e local inapropriados de alimentação e repouso podem ter uma consequência direta no funcionamento fisiológico do trabalhador, ocasionando uma desarmonia interna”.

Os mesmos autores citam Wegmann e Klein (1985), para quem:

As alterações dos ritmos biológicos causadas pelo trabalho noturno e em turnos podem ser (co) responsáveis por perturbações de sono, doenças cardiovasculares, alterações do sistema imunológico (aumento da suscetibilidade às doenças), disfunções do trato intestinal, modificações de hábitos de fumo e bebida e outros distúrbios de origem psíquica. Esta dessincronização interna pode levar o trabalhador à falhas no desempenho das suas funções profissionais.

Diante dessas análises, concluíram que:

Mesmo quando em repouso dentro do avião, muitas vezes, o piloto não consegue adormecer por falta de condições básicas necessárias a esse repouso e pela preocupação relacionada às responsabilidades inerentes a sua função e que o ruído, a umidade, o calor e a acomodação inadequada são fatores que podem dificultar os momentos de repouso.

Com relação aos voos realizados dentro do território nacional, constatou-se que as jornadas noturnas, embora não sejam sempre muito longas “também promovam a alteração do ritmo normal do sono acarretando os mesmos problemas da jornada internacional” e que, as jornadas exigem vários pousos e decolagens, “o que acarreta uma sobrecarga no organismo por sofrer constantes alterações pelo processo de pressurização/despressurização e variações de temperatura”.

Observa-se que, embora nas pesquisas seja ressaltado que a aviação moderna exija mais do intelecto, e menos do físico, a conclusão é que a função de Comandante envolve monitorização e operação de sistemas, o que exige o conhecimento profundo, não apenas do funcionamento dos equipamentos, mas de alternativas em casos de falha dos mesmos.

Já no que concerne ao Comissário, a Lei 7.183/1984 que regula o exercício da profissão de aeronauta o define como:

Auxiliar do Comandante, encarregado do cumprimento das normas relativas à segurança e atendimento dos passageiros a bordo e da guarda de bagagens, documentos, valores e malas postais que lhe tenham sido confiados pelo comandante.       

Elizeth Tavares de Lacerda, M.Sc. efetuou uma pesquisa realizando entrevistas em grupo, objetivando conhecer também as fontes laborais de tensão de outro segmento do grupo de aeronautas – os comissários de bordo.

Constatou que o ambiente de trabalho do aeronauta é:

Extremamente artificial, com variações bruscas de temperatura, ruído, calor e vibrações, que interferem diretamente no seu organismo e, consequentemente, na sua saúde”.

O trabalho em turnos alternantes é comum à profissão do aeronauta, e assim, o comissário de bordo:

Vivencia com maior frequência os sintomas da fadiga crônica, em função da sua organização de trabalho, que o obriga a uma troca constante do seu ciclo sono/vigília”.

Os fatores de insalubridade no ambiente de trabalho do comissário apontados: exposição constante a ruídos, vibrações, mudanças bruscas de temperatura, despressurização e radiação, sendo fatores considerados geradores de doenças profissionais, e causadores de tensão e desgaste mental pelo grupo.

Diversos sintomas fisiológicos foram relacionados às condições de trabalho: varizes, dor de cabeça, desiquilíbrio hormonal, irritação nos olhos, nariz, retenção de líquido no corpo, problemas respiratórios, dor de ouvido, queda de cabelo, alteração do apetite, dores nas pernas, ressecamento da pele, dores nas costas e distúrbios digestivos.

As síndromes relacionadas ao trabalho de comissário de bordo são: fadiga crônica, diminuição da acuidade auditiva, insônia, enxaqueca, amenorreia, alteração no biorritmo sono/vigília. “Em relação aos problemas que afetam mais diretamente as mulheres, todas foram unânimes em queixar-se muito de dor nas pernas, varizes, irregularidade na menstruação e abortos instantâneos. Foram ainda lembrados ou citados depoimentos de amigas que também tiveram suas gestações interrompidas, em função do ambiente de trabalho”.

A alternância dos horários produz alterações físicas e mentais levando-o a um estado permanente de fadiga crônica.

Em relação às comissárias, citam estudos do Diesat (REBOUÇAS, 1989), que identificaram que a inadequação do trabalho às condições biológicas e psíquicas do trabalhador fica mais evidente com a mulher, em períodos fisiológicos como a menstruação, gravidez e amamentação, estando a maior parte dos estudos relativos ao trabalho feminino e suas representações na saúde relacionados ao comprometimento ou não de sua atividade reprodutora.

Selma Leal de Oliveira, M. Sc, em estudo sobre o tema, anota que, ainda que:

Desempenhando atividades aparentemente rotineiras, como preparar e servir os lanches de bordo, e demostrar equipamentos de segurança, os Comissários são submetidos a fatores físicos “tais como: pressurização, vibração, qualidade do ar, variações de temperaturas, entre outros, aliados a fatores fisiológicos e psicológicos, formam uma quadro extenso de variáveis que levam indubitavelmente ao desgaste físico e mental.

Anotam que questão do trabalho em turnos, em razão da necessidade de voos de longa duração e às exigências da função, é mais um fator de sobrecarga do nível psíquico desse trabalhador e que:

As rápidas adaptações que o corpo necessita fazer em um espaço de tempo curto provocam desgaste fisiológico e tornam o organismo vulnerável a uma série de doenças e apontam a qualidade do ar existente no ambiente de trabalho como um fator que, além de promover o ressecamento da pele e das mucosas, facilita o aparecimento de doenças respiratórias com mais frequência.

Constata-se, finalmente, que todos os fatores ou situações provocadores de estresse mental podem interferir sobre o desempenho operacional, em tripulantes que operam aeronaves civis, em rotas nacionais e internacionais.

Observa-se, ainda, que todos os conceitos expostos a respeito dos agentes nocivos – ruído, vibração e radiações ionizantes, para efeito de definição do direito do segurado ao cômputo do tempo de serviço como especial, é aplicável também à situação do aeronauta.

Vem-se a concluir que a atividade desenvolvida exercida pelo aeronauta, a bordo de aeronave, cumprindo escala de voos onde é constante a presença de elementos insalubres, como variações climáticas e ruídos, por si só, deve conferir ao segurado o direito ao benefício de aposentadoria especial, ou de conversão e soma do referido tempo de serviço, para todos os fins de direito.

A jurisprudência entende que aqueles que trabalharam durante certo tempo como aeronautas podem converter e somar os períodos laborados nessa atividade para obterem a inativação comum, ou seja, a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

Nesse sentido:

Previdenciário. Aeronauta. Tempo de serviço. Aposentadoria especial. Contagem proporcional do período de atividade comum. Abono de permanência em serviço. Disponibilidade. I – A aposentadoria especial do aeronauta, na conjugação dos arts. 171 e 60, § 2º, do Decreto 83.080/1979, vigente a época do ajuizamento da ação, admite a soma dos períodos laborados em atividades sujeitas a inativação comum, utilizando-se a respectiva tabela de conversão, bem como comporta o pagamento do abono de permanência em serviço ultrapassado o lapso de vinte e cinco anos. Precedentes do TRF. II – Documentalmente comprovada a realização de trabalho durante o período em que o servidor esteve em disponibilidade, o tempo correspondente não pode, evidentemente, ser considerado em dobro, mas, por outro lado, deve ser computado, como especial, se a atividade durante ele desempenhada, de aeronauta, enseja tal classificação, e foram recolhidas pela companhia aérea empregadora, as contribuições respectivas. III – A contagem recíproca do tempo de serviço público prevista no art. 201 do Decreto 83.080/1979, pode ser considerada para efeito de aposentadoria especial independentemente do lapso de trinta e cinco anos fixados no art. 240, mesmo quando esta atividade de risco e realizada sob vinculo com a união. IV – IX – (…). (AC 92.01.20673-9/DF – TRF – 1ª Reg. – 1ª T., um. – Rel. Juiz Aldir Passarinho Junior – DJ 02.05.1995,p.25400).

Não há como se negar a possibilidade de conversão dos períodos laborados pelo aeronauta para que possa obter a aposentadoria comum, quando considerarmos que a Convenção de Chicago, à qual o Brasil aderiu, apontada como fonte do Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica, que dispõe que nenhuma empresa aérea operando segundo este regulamento pode empregar como piloto uma pessoa que tenha 60 anos ou mais de idade, assim, como nenhuma pessoa com essa idade pode trabalhar como piloto de aviões operando segundo este regulamento.

Constata-se que existem restrições das prerrogativas dos detentores de licenças de piloto que tenham completado 60 anos de idade. Diante do fato da própria legislação restringir o trabalho de quem tenha mais de 60 anos nessa atividade, não se justificaria a impossibilidade do segurado obter o benefício de aposentadoria, computando e convertendo o tempo laborado como piloto ou qualquer outra classe de aeronauta.

Nesse sentido a jurisprudência:

Civil. Aviação comercial. Piloto sexagenário. Linhas domésticas. Efeitos orgânicos. Caducidade. I – A Convenção de Chicago, à qual o Brasil aderiu, teria sido a fonte do Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica em seu item 121.383, alínea “c”: “121.383 – Tripulação Geral c) nenhuma empresa aérea operando segundo este regulamento pode empregar como piloto uma pessoa que tenha 60 anos ou mais de idade, assim como nenhuma pessoa com essa idade pode trabalhar como piloto de aviões operando segundo este regulamento”. II – O ato contra o qual se insurge o impetrante seria o regulamento suso referido, o qual foi baixado em 1988, inexistindo qualquer outro que justifique a presente impetração. (MAS 9502265700/RJ, TRF – 2ª Reg. – 1ª T., un. – Relª. Juíza Julieta Lidia Lunz – DJ 25.08.1998, p. 95).

 

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